Três jornalistas do Centro-Oeste, moradores de Divinópolis, são voluntários da iniciativa nacional Memorial Inumeráveis
Três jornalistas do Centro-Oeste de Minas Gerais, moradores de Divinópolis, têm se dedicado a mostrar quem são as pessoas por trás das estatísticas do novo coronavírus. Mateus Teixeira, Gabriel Rodrigues e Talita Camargos são voluntários do Memorial Inumeráveis, uma iniciativa nacional que tem como objetivo contar a história de cada uma das vítimas da Covid-19 no Brasil.
O projeto foi criado pelo artista plástico Edson Pavoni em colaboração com Rogério Oliveira, Rogério Zé, Alana Rizzo, Guilherme Bullejos, Gabriela Veiga, Giovana Madalosso, Rayane Urani, Jonathan Querubina e voluntários que, continuamente, apuram, entrevistam e adicionam histórias ao Memorial.
O trabalho tem como lema “Não há quem goste de ser número, gente merece existir em prosa”. No site do memorial virtual, familiares e amigos de quem partiu, em virtude da pandemia, deixam dados iniciais sobre o homenageado. As informações são direcionadas para a rede de voluntários que checam a veracidade, além de entrevistar as pessoas para complementar as histórias. A equipe é dividida entre jornalistas, escritores e revisores. Também existem os núcleos de redes sociais e assessoria de imprensa.
Uma live-sarau, em que são lidas algumas das homenagens, também é realizada toda segunda-feira, às 21h no Instagram do Memorial. Alguns tributos ainda são interpretados por artistas no Fantástico, da Rede Globo.
Motivações inumeráveis
O divinopolitano Mateus Teixeira já teve um dos textos lidos pelo ator Ney Latorraca. Foi a história do paraense Fernando Segtowick Gomes Cardoso. De Divinópolis, ele teve a oportunidade de homenagear apenas uma pessoa, Cecilia Maria Parreiras Maia, mas deseja tornar eternas mais gente da terra natal dele.
Desde o final de maio no projeto, a motivação para se tornar voluntário foi conhecer e registrar histórias de vida.
“Como jornalista, adoro conhecer novas histórias e aprendo muito com elas. Neste momento tão difícil que estamos vivendo, levar um pouco de alento e conforto para os familiares também me motiva”, disse.
De Martinho Campos, a jornalista Talita Camargos está atuando como voluntária desde agosto deste ano. Em meio a tanta dor, também há outros sentimentos que são ressignificados neste momento difícil. “A gente recebe muito amor e aprende demais com os homenageados e familiares. O mais gratificante é como as famílias nos recebem, elas dizerem que o tributo e a live-sarau foram parte importante do processo, já que agora não existem os rituais habituais. Já tive familiar que disse me considerar uma irmã e outra que perguntou se podia me considerar uma amiga”, conta.
O jornalista Gabriel Rodrigues, nascido em Arcos, Minas Gerais, também está ajudando como voluntário desde agosto de 2020 e viu no Memorial uma forma de dar conforto para as famílias enlutadas e amenizar a dor delas. “Como entramos em contato com pessoas de várias partes do país, me sinto reconfortado em poder ajudá-los neste momento de perda. É uma forma de oferecer um sentimento de amor e imersão para as famílias. É uma experiência muito positiva”, explicou.
Como solicitar um tributo
As homenagens podem ser solicitadas pelo site do projeto. No espaço, existe a possibilidade de enviar o texto pronto, áudio via WhatsApp ou preencher um formulário. Eles recebem um contato posterior de um voluntário e assim que publicado o link do tributo é enviado para o e-mail do solicitante.
De acordo com a psicóloga especialista em luto e final da vida Denise Stefanoni, que também é voluntária dos Inumeráveis, os tributos ajudam na elaboração do luto e até a seguir em frente.
“Para a elaboração dos tributos, as famílias precisam escrever ou falar sobre a vida do ente querido que morreu, o que promove o acesso as lembranças do passado e da perda, assim como a expressão de emoções, processos que são necessários para a elaboração do luto. Na pandemia, as despedidas e os rituais (velório e enterros) estão restritos. Assim, a publicação do tributo torna a morte mais concreta, assumindo o lugar das despedidas e dos rituais, tão importantes para a aceitação da morte, a elaboração da dor e a continuidade da vida”, explica.
Como ser um voluntário
As candidaturas para voluntariado são feitas no site do projeto. Há vagas para:
Jornalistas: eles têm como tarefas cuidar de histórias que precisam ser escritas do zero. Para isso, entram em contato com a família ou amigos da pessoa a ser homenageada, fazem uma entrevista e, então, escrevem o texto tributo.
Escritores: cuidam de histórias que já foram escritas pelo familiar ou amigo da pessoa a ser homenageada, mas que precisam do olhar de alguém do projeto para serem publicadas.
Revisores: revisam todas as histórias enviadas ao Memorial. Além de correções de gramática e ortografia, também cuidam para que todos os textos estejam dentro das nossas diretrizes de publicação.
Apesar de envolver temas bastante complexos, os voluntários dizem se sentir muito gratos e bem por participar do Memorial. Denise explica que há três pontos que torna tão gratificante fazer parte.
“Primeiro, a oportunidade de reviver e elaborar as próprias perdas e medos; segundo, fazer dessa escrita uma crítica a esse contexto e, portanto, um ‘protesto poético’, como aprendemos nos Inumeráveis; e, terceiro, ter a chance de realizar um trabalho humanizador em contrapartida aos trabalhos alienantes da sociedade capitalista”.